O que fazer quando você percebe que seus receios - tudo o que você
tinha pavor de ser na vida - se concretizaram? Que,
inegavelmente, você é uma tia solteirona, gorda, desgrenhada, desempregada, que vive enfurnada, de moletom, num apartamento na companhia de gatos e sem muitos amigos?
A verdade dói. Vou fazer 40 no domingo que vem. Não saio (muito) de casa sozinha, portanto não conheço pessoas novas interessantes. Portanto, continuo sozinha. E em casa.
Sou tia - e isto é muito bom, ao contrário do que me faziam crer todas as TIAS que proferiam ameaças de que eu ficaria "para titia" (nota da autora: quando criança, eu entendia "ficar PARA A titia", e pensava que teria que viver
ad aeternum com
a minha tia solteirona, numa relação meio João-Maria-e-a-bruxa). Meus sobrinhos são duas delícias, e os outros quase sobrinhos também me enchem de alegria com suas pequenas e grandes conquistas.
Sou solteira. Não por opção, mas pelas circunstâncias. Eu poderia ter me ajuntado, ou até casado no papel, mas hoje percebo que Deus foi bom para mim e me livrou de, pelo menos, duas encrencas. Eu poderia ter tido filhos com estas ditas encrencas; não tive. Deus foi muito bom! Ainda espero encontrar um plebeu encantado por aí... ou quem sabe um príncipe (vai que Deus quer
realmente caprichar)?
Sou gorda. OK, ainda não me acostumei com a denominação - mas aí vamos entrar na discussão da gordofobia, de como o mundo pop nos faz sentir menos humanas e menos valiosas quando não temos o corpo da Barbie nem a fama da Gisele Bündchen, ou vice-versa - então digamos que sou, e sempre vou ser,
grande e roliça. Porque não tem jeito, minha massa magra é de quase 60 kg e meço 1,80 m de Havaianas. Mesmo depois de emagrecer os 18 kg que pretendo, serei
plus size. Acho bonito ter carne e curvas. E sou ótima companhia para o happy hour!!!
Sim, eu ando desgrenhada. Porque
me recuso a ser lisa. Fazer chapinha me deprime; fico com uma cara enorme perdida entre dois pedacinhos murchos de cabelo (ainda que a textura esteja perfeita, as luzes super em dia, e tal)... Eu amo meus cachos. Quanto mais assanhados, melhor. E nem sempre consigo domá-los (aí, obviamente, tem que rolar um
bom senso básico antes de sair de casa. Prendedor serve para isso. Mas muitas vezes o "desgrenhê style" passa no meu controle de qualidade).
Já dizia Ed Motta, eu não nasci pra sofrer. Se estou (ou sou) desempregada, é porque decidi não dispender mais
toda a minha energia mental, e muitas vezes física, para facilitar a vida dos outros e deixar a minha própria (vida) de lado. Eu quase não me lembro de como era viver de salário fixo todo mês. Pode ser que algum dia eu volte a ter chefe, horário, cobranças, tarefas chatas, não sei. O que sei é que, no último ano, re-encontrei sonhos, comecei a procurar meu lugarzinho ao sol, e passei a acreditar no impossível.
A cabeça cheia de projetos e a geladeira vazia: por enquanto está bom assim. Quero escrever muito e produzir mais ainda. Meu desejo é ver o bloco na rua. PROCURO PARCERIAS.
Como boa canceriana, minha casa é
meu ninho. O melhor lugar do mundo. Se a rua lá fora tem perigo, frio, trânsito, bandido, bicho papão e sapo cururu, eu fico aqui... e vou ficando... dia após dia. Me sinto
muito sem graça de sair para socializar sozinha (em barzinho, restaurante, ou eventos nos quais não conheço ninguém. Já acho que os frequentadores vão pensar "ó, coitada daquela senhora bebendo num canto!") e acabo reduzindo meu lazer a cinema e teatro - eventualmente, um show ou uma ópera - onde
não interagir com os outros faz parte do programa. Se bem que, na verdade, minha motivação principal para viver trancafiada é econômica: não gastar com compras inúteis, gasolina, estacionamento, lanche, garrafinha de água mineral etc.
O que ninguém entende (este tópico merece DOIS PARÁGRAFOS) é que eu adoro receber os amigos. Quer me fazer feliz gastando pouco?
Fala que vem aqui em casa. Aí sim, eu dou um upgrade na faxina, passo paninho em tudo, jogo Gleid no banheiro, tiro a calça do pijama, ponho até maquiagem, para fazer... nada. Nada junto é muito melhor que a solidão (mesmo no melhor lugar do mundo)! E sempre rola um petisco... porque casa de gordo tem que ter comidinha gostosa, né? HEHEHE
Quanto ao moletom e às gatas, nem vou falar nada. São as
maiores felicidades da minha vida. Me mantêm macia, quentinha, amada e sã.
Agora vem o assunto sensível: os amigos. Vim para São Paulo sabendo que os dedos de uma mão eram
mais que suficientes para contar aqueles com quem eu conviveria aqui. Na prática, entre os milhões de habitantes da megalópole, há
duas pessoas fofas e translumbrantes que vejo com alguma frequência (e que, pelo motivo de serem apenas duas, devem suportar minha carência de contato humano), mas infelizmente eles têm trabalho fixo, chefe, horário, cobranças, problemas pessoais, essas coisas... Acabo não os procurando mais porque acho que
estou perturbando. Provavelmente estou mesmo. Em todo caso, saibam que gostaria muito de encontrá-los toda semana, e que aceito convites para programas de índio variados... desde ver Kardashians na televisão a gastar duas horas e meia no trânsito para jantar no shopping. Para vocês, eu sou 24/7; podem ligar!
Então. Respondendo à pergunta lá de cima, sinceramente não sei
se há algo a fazer. O tempo passou, os quilos se acumularam, o moço bonito não apareceu, alguns amigos se tornaram ocupados e importantes demais para minha condição anônima, outros se decepcionaram porque não sou tudo aquilo que esperavam de mim (SO SORRY), e a vida de estabilidade funcional não conseguiu me ganhar.
Nem assim chego a me ver como um fracasso total.
Ainda acho que sou uma mocinha feliz, romântica e saltitante, que chora com filmes e é amiga para todas as horas. Cuido da pele, dos dentes, do cabelo, da depilação, gosto de me vestir bem, aprecio uma boa conversa, rio à toa, viajo, me interesso por vários assuntos, lido bem com dinheiro... sei lá...
Ou talvez eu esteja em negação, e seja mesmo uma encarnação fiel da tia solteirona dos Simpsons.
Help.