15.8.05

Trilogia Mineira III - Adagio Assai

Muito casaco e muito tempo pela frente, ainda no morno domingo à noite.
As pessoas vêm chegando, se aglomerando perante os ônibus fechados. Os porta-malas ainda também fechados. Todos esperam que a boa vontade de algum funcionário resolva abrir os benditos compartimentos, para que não mais seja preciso arrastar mochilas, samsonites e primicias no caminho de ida e volta à (e da) lanchonete. Suco de maracujá. Nutry maracujá. As últimas despedidas. Um papo furado, sem assunto, enquanto tudo permanece hermeticamente fechado: ônibus, porta-malas, poltronas, over head compartments, ar condicionado, travesseirinho e cobertores genéricos (porém honestos no combate ao frio noturno). As listas de passageiros são conferidas. Abrem-se as tampas, e bagagens variadas encontram seu lugar, inclusive uma outrora deslocada mesinha de computador e um mini-yorkshire. Minutos aos montes se passam até que a inevitável fila se forma, aguardando a abertura dos portões (de gente, não coisas). O papo continua sem assunto, naquela conversa mole e gramaticalmente relapsa de "ai, amanhã vou estar cansada..." Um dado momento - vai saber quanto se passa!?! - é finalmente possível entrar, reconhecer os assentos, acomodar os pertences.
O televisor apagado desta vez não ilude ninguém. Passageiros conformados sentam-se e miram o horizonte do segundo piso do veículo. Uma passageira afoita vai e vem pelo corredor: primeiro, só, depois acompanhada. Vem a mocinha da empresa junto. Elas vão e vêm pelo corredor, procurando por algo que não está lá. Pedem licença para revistar sob as poltronas alheias, sobre as poltronas alheias, entre as poltronas alheias. Não está lá (seja o que for). A passageira afoita desce. Sobe. Reclama. Desce outra vez. Diz que isso é um absurdo, é roubo, etc. e fica indignada. Ela não possui o ticket de identificação do item perdido, ou roubado, não se sabe ao certo... A viagem já começa (antes de começar, propriamente dita) atrasada. 15 minutos. 20. Meia hora e nada. A viajante alegadamente vilipendiada se decide a chamar a polícia. Mais alguns minutos para os policiais chegarem. A moça presta queixa. A moça fica prestando queixa e o ônibus parte com uma hora inteira de atraso - sem ela, pois supostamente sua chave de casa e seus documentos estavam na suposta bagagem de mão não-identificada e supostamente desaparecida.
Inicia-se a jornada e o tédio toma conta. Sem filme, sem música, sem luz, sem acreditar que alguém vai chegar em tempo para o trabalho da segunda-feira, todos se rendem. Uma eternidade de estrada, postes, mato e caminhões passa na noite entorpecente. O sono domina. Na primeira parada, a promessa não-cumprida de se continuar a bordo para receber um lanche padronizado (Coca-Cola e misto quente) a cargo da empresa. Os claustrofóbicos e afobados saem, voltam e tropeçam nos que dormem apesar de tudo. Segue o percurso. Homens, mulheres e criancinhas voltam à embriaguez sonolenta de antes. Cedo demais, uma segunda parada. Ou seria terceira? O estado alfa em que a maioria se encontra não permite distinguir...
O veículo empaca num posto de gasolina deserto, perdido no meio do nada, às três da manhã (mais ou menos). Descem todos, retiram-se bolsas, pochetes e cachorro (!!!) de dentro do ônibus. A madrugada no meio do nada é fria. Após o atraso exorbitante, os funcionários da empresa se convencem de que é necessário (e justo, falemos a verdade!) mandar buscar o tal lanchinho de misto quente e Coca-Cola prometido na parada anterior. Mandam buscar também um mecânico. Parece piada. Ali todos permanecem, um ou outro enrolado no tal cobertor xadrez, alguns batendo papo, poucos tentando manter o bom-humor e a maioria com cara de poucos amigos, até as sete. Uma maravilha, para quem pretendia estar, a esta mesma hora, tomando uma bela chuveirada em seu próprio banheiro... Chega o socorro: um ônibus substituto, porque o original, bem... vai para o saco. Removem-se todos os pertences e pertencedores. Uma passageirinha reclama "Não, mamãe, eu quero ir no outro!", mas nada feito.
O trajeto segue praticamente em paz. Se não considerarmos o horário, claro. Lá pelas dez da manhã os celulares voltam a entrar na área de cobertura e os trabalhadores "do meu Brasil" ligam para seus serviços, narrando esta epopéia moderna.
À uma da tarde, finalmente, casa.
Sem chance para o descanso. Banho, almoço e trabalho na seqüência. Ai.

14.8.05

Trilogia Mineira II - Allegro

Chegar. Fazer o tour. Lavar o rosto. Tomar café-da-manhã (em pé) na cozinha com a família. Tirar uma sonequinha para o corpo recuperar o tônus. Um pedacinho de queijo (afinal, estamos em Minas!). Um banho gostoso, lavando o cabelo. Roupa nova, roupa limpa, arrumar a bolsa. Rua. Almoço no self-service. Papos sobre Brendan Fraser e Fito Paez. Visita à (micro)exposição de bonecos do Giramundo. Uma passada rápida na Feira do Livro. Ida ao shopping. Pausa para maquiagem no quiosque da Contém 1g (HIHIHI!). Rodar as escadas rolantes para cima, vendo todas as vitrines. Rodar as escadas rolantes para baixo, vendo as vitrines e - eventualmente - entrando numa lojinha ou outra. Chegada às Lojas Americanas para uso quase abusivo do cartão de crédito na seção de artigos para casa... delírio consumista (porém meio pobrinho). A sobremesa diet finalmente bate no estômago. Água mineral geladinha. Caminhar até o teatro carregando as sacolas. Toilette básica. Crianças correm, gritam e brincam no saguão. Uma delas é especialmente sociável, além de muito elegante, e diz que tem 3 anos. Suas unhas são verde-limão. Ela toma mamadeira antes do espetáculo. A Onça e o Bode (com a madrinha de Jureminha em cena), muito lindo, desperta emoções variadas... Um dos meninos na platéia se manifesta, o pai o manda ficar quieto. Que pena. Aplausos e fotos com os pequenos espectadores. Voltar para casa; uma conversinha, um lanche, um pouco de televisão (novela, jornal, essas coisas). Troca de figurino. Táxi. Aniversário de uma conhecida. Enquanto a porta não se abre, vento frio, muito frio... Salgadinhos, amigos, refrigerantes e alto astral. Bolo de coco. Lembrancinhas. Cafeteria Três Corações (é, a marca de cappuccino mesmo) com os participantes mais animados da festa. A conversa rola solta, muito boa mesmo. O café também. A madrugada se aproxima. Hora de ir dormir. Fotografias com timer. Fofoquinha de adolescente entre os colchonetes. Morfeu finalmente vence a batalha. A manhã, fresca, requer casacos. O "bom dia" de Dia dos Pais se traduz em uma cabeçada hilária. Gargalhada e dor. Pão, café, suco, iogurte. Papo de Anjo na Praça da Liberdade. A peça é dinâmica, todos correm de um lado para o outro e depois voltam à localização original. O sol queima o couro cabeludo (onde o filtro solar não chega). É bom ver amigos atuando num texto gostoso, com montagem criativa, em boa companhia. Almoço no tailandês vegetariano. O sushi, afinal, é doce ou não? Fotografias em frente ao cartaz do teatro. Pós-sobremesa no shopping. Lojas Americanas outra vez (segundo round). Ligeiro estresse familiar. Retornar ao teatro. Arrumação de palco, massagem, alongamento, maquiagem, vestuário, espiadela no saguão. Abrem-se as cortinas: "e um, dois, três, quatro..." Show time. Aplausos, fotos, etc. Desmontar o palco. Remover a maquiagem, trocar de roupa. Momento das despedidas... Passar em casa para fechar as malas, tomar um último banho, fazer uma última boquinha e...

13.8.05

Trilogia Mineira I - Andante

Lá se vai Jureminha para Beagá visitar sua madrinha e passar o Dia dos Pais com vovô Gão-de-Bico e vovó Ervilhinha Jurema...

O local de embarque está lotado. Milhares de pessoas (bem, nem tanto) se acomodarão em breve dentro de quatro grandes veículos com poltronas acolchoadas e ar condicionado "vip". Ônibus de dois andares é chique. Dá para ver a cidade lá embaixo, os carros passando, postes com lâmpadas de mercúrio amarelo, o asfalto deslizando suavemente; você é grande, você é poderoso. Pequenos televisores à frente dos assentos aguardam o momento de serem acesos. Os minutos passam, a cidade passa, a estrada passa. A iluminação se apaga e as televisõezinhas não se acendem. Não tem filminho. Bem, a viagem acaba de ficar mais longa... A temperatura está boa, eis ali um cobertor e o balanço do ônibus até que serve para ninar gente grande. Um cochilo deve fazer o tempo passar mais fácil. O travesseiro é um retângulo de espuma dura, envolto em uma fronha de cheiro estranho. Inutilizável. O pescoço dói, mas vamos lá. Paciência. No primeiro grande buraco das estradas de Minas, uma chacoalhada que acorda a todos. Uuuuh! Então vêm o segundo buraco, o terceiro, todos em velocidade de cruzeiro (Jesus, esse motorista não tem amor à vida, não?). A noite se transforma em uma sucessão de buracos e sonecas rápidas em meio à turbulência. Os vizinhos da frente não tiveram a piedade de fechar suas cortinas: as luzes brancas fluorescentes entram sem dó nos olhos cheios de areia desta chacoalhada viajante. Às cinco da manhã, o coro lá do fundo entoa: "Seguuuuura, pião!". Rir é o melhor remédio. A partir de então, os passageiros do segundo andar - definitivamente acordados - acompanham conscientes o passeio pela montanha russa em que o ônibus se encontra. A chegada se dá com uma hora de atraso, embora até então não se saiba por quê.

Diagnóstico: suspensão quebrada. Isto quer dizer que o veículo estava praticamente rebaixado, voando rente ao chão durante 10 horas. E o povo pulando feito pipoca lá dentro.

2.8.05

Trabalho de equipe

São necessários 16 tataravôs (e 16 tataravós, por supuesto) para se fazer uma pessoa.
Se eles não estivessem lá, você não seria quem é hoje.